O terror curará a América Latina
Entre 2002 e 2010, soldados colombianos sequestraram 6.402 camponeses (em sua maioria), os vestiram como guerrilheiros, os mataram e os passaram como baixas militares. Em 2014, 43 estudantes de Ayotzinapa desapareceram enquanto tentavam chegar à Cidade do México para comemorar o massacre de Tlatelolco. Entre 1976 e 1983, ocorreu a ditadura cívico-militar na Argentina, resultando na tortura e desaparecimento de pelo menos 30.000 pessoas.
A América Latina é uma ferida que não cicatriza. Ela pulsa. Não se fecha. De tempos em tempos, reabre-se sem jamais se curar. Qualquer episódio de violência é uma história de terror em si, cumprindo as características básicas do gênero:
Pensemos no seguinte:
Uma menina está sozinha com seu tio. Ele foi encarregado de cuidar dela, mas começou a beber enquanto assistia televisão. Ela brinca no quarto. O tio vai até ela, pede que o convide para brincar e senta-se ao lado dela. Ela tem seis anos; ele, trinta e oito. O homem olha para a menina. Observa seus olhos, sua boca, seu pescoço, suas mãos. Bebe cerveja e sorri para ela.
A consciência coletiva nos leva a continuar a história. Sabemos, ou pensamos saber, o que acontecerá, mesmo que o tio ainda não tenha feito nada significativo. Aconteça ou não, essas situações ocorrem diariamente na América Latina. Ocorrem demais. Nos acostumamos a esperar que o mal possa ocorrer a qualquer momento. Aceitamos isso com passividade.
O terror curará a América Latina. Não tenho dúvidas. O lado sombrio, grotesco e desumano de nossa realidade também precisa ser explorado. A literatura normaliza a fala sobre o que é oculto, sobre aquilo que não podemos dizer por violar a moral. Ela nos permite discutir tabus para que algo possa ser feito a respeito. O terror liberta.
Se há algo que caracteriza, ou deveria caracterizar, o terror latino-americano, é que ele nasce e é escrito a partir da América Latina. O cinema de Hollywood e a literatura anglo-saxônica foram parte fundamental de nossa formação, mas já é hora de nos tornarmos independentes. Precisamos matar nossos ídolos. Merecemos uma identidade própria. O terror pelo terror, cujo único objetivo é assustar, não deve ser nossa motivação. Isso podemos deixar para a Indústria. Em vez disso, o que podemos dizer sobre nossa realidade através das palavras? Como podemos usar as ferramentas do terror para falar do terror latino-americano?
Escritores de terror, este é o nosso momento. Nosso gênero não é menor. Vamos provar isso. Esforcemo-nos pela qualidade literária, abordemos os temas mais complexos e característicos de nossa região. Temos em nossas mãos uma ferramenta brutal. O que melhor do que abordar os temas mais sombrios através da própria escuridão?
Convido os escritores e escritoras de terror a se juntarem a este manifesto e a fazerem do nosso gênero algo grandioso!
Convido os leitores e leitoras a lerem o terror latino-americano!
David Kolkrabe
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